O imediatismo dos fãs e a crise do Mundinho Do GL

Imediatismo dos fas no GL - OnlyYou HS

Nas últimas semanas, as discussões em torno dos GLs se tornaram tão intensas que, em vez de celebração, a sensação é de desgaste. A cada episódio lançado, uma nova treta nasce nas redes sociais, pautada por comparações injustas, análises rasas e críticas que, na maior parte do tempo, ignoram por completo a proposta das séries. E, sendo direta: muito desse comportamento não é sobre os GLs em si, mas sobre nós, espectadores moldados pelo vício em streaming.

O impacto invisível do streaming: como viramos reféns da pressa

Cresci em uma época em que assistir a uma série significava esperar uma semana pelo próximo episódio. Muitas vezes, a versão que chegava até nós era cortada para caber na grade televisiva. Era imperfeito, mas também nos obrigava à paciência.

Com a ascensão da Netflix, tudo mudou. De repente, todas as temporadas estavam disponíveis em uma única noite. Nasceu a “maratona” — um termo que parecia divertido, mas que nos transformou em reféns de um novo ritmo. Queremos tudo, agora, já. E quando a trama exige tempo, quando pede respiro, imediatamente julgamos como “lenta demais” ou “sem emoção”.

Esse vício no imediatismo não é apenas um detalhe cultural: ele reconfigurou a forma como consumimos audiovisual. E hoje, no universo dos GLs, vemos esse efeito de forma brutal.

Whale Store, Harmony Secret e Only You: três
propostas, um mesmo alvo

No centro dessa tempestade estão três títulos que movimentam o fandom: Whale Store (WSX), Harmony Secret (HS) e Only You (OY). Todas são séries populares, mas cada uma com objetivos narrativos muito distintos: 

Whale Store aposta em um GL conforto, maduro e com temas sociais de peso, sustentado tanto pelo casal principal quanto pelo segundo casal adicionado para ampliar o impacto da trama. 
Harmony Secret prefere a intensidade, colocando o amor em confronto com poder, manipulação e jogos emocionais.
Only You revisita a tradição dos romances açucarados, lembrando clássicos dos anos 90, carregado de nostalgia e inocência. 

Três propostas legítimas, bem definidas e conscientes de sua estética. E, ainda assim, tratadas como se precisassem seguir o mesmo molde. O erro está justamente aí: parte do público não assiste para compreender, mas para comparar.

Slow burn vs. pressa

Grande parte das críticas a Whale Store e Only You vem do mesmo ponto: ambas trabalham com o slow burn. O amor cresce devagar, os conflitos se resolvem no tempo da trama, não no tempo da ansiedade do espectador. 

whale-store-milk-love2-1-1024x576 O imediatismo dos fãs e a crise do Mundinho Do GL
Whale Store. Foto: Divulgação GMMTV

Mas o público imediatista não tem paciência para ler os detalhes. Em WSX, os silêncios, os olhares e os pequenos gestos são tão narrativos quanto os diálogos. Cada close, cada pausa, cada cena aparentemente “simples” constrói a história. Só que, em vez de perceber isso, parte da audiência prefere gritar nas redes sociais que “o casal não anda”, que “o beijo é frio” ou que “não tem emoção”. 

Do outro lado, Harmony Secret entrega exatamente o que essa geração quer: intensidade, velocidade e impacto. É uma narrativa de choque, de conflito, de calor imediato. Não é melhor nem pior, é apenas um estilo diferente. Mas, justamente por isso, virou o parâmetro de comparação injusta para as demais. 

O fetiche da comparação: beijos, química e a falsa régua

Talvez o ponto mais cansativo seja a obsessão do público com beijos e química. Criou-se a ideia de que só existe “boa atuação” se o beijo for intenso, se houver demonstração física visível. Mas essa visão é limitada e até hipócrita. 

Na vida real, ninguém beija duas pessoas da mesma forma. A intensidade muda, o momento muda, o contexto muda. Por que, então, esperar que todas as atrizes de GL apresentem beijos idênticos, como se houvesse uma cartilha universal? 

Mais ainda: o beijo é um recurso narrativo. A intensidade, a duração e até a inocência são escolhas criativas ditadas pelo roteiro e pela direção. O beijo carregado de Harmony Secret jamais faria sentido em Only You. Da mesma forma, a delicadeza de OY não caberia no terreno conflituoso de HS

Insistir em comparar “quem beija melhor” é reduzir toda a complexidade da atuação a um único gesto. É ignorar contexto, proposta e intenção. É transformar arte em competição. 

Outro ponto é a cobrança silenciosa que paira sobre os fãs: a ideia de que, para ser “verdadeiro fã de GL”, é preciso assistir a todos os títulos lançados. Isso é uma armadilha.

Como qualquer público, temos nossas preferências. E não há nada de errado em simplesmente não se conectar com uma trama ou casal específico. 

A questão é: não gostar é legítimo. O que não faz sentido é transformar a preferência pessoal em munição para invalidar o trabalho de atrizes, diretores e roteiristas. O que não se conecta com você pode, sim, transformar a vida de outra pessoa.

O que realmente deveríamos discutir 

No fim das contas, a guerra entre fãs de GLs não é sobre as séries, é sobre nós. Sobre como esquecemos de apreciar a arte pela arte, como nos tornamos reféns do consumo rápido e da comparação. 

É hora de recuperar a paciência. De lembrar que cada série tem uma proposta, um ritmo e um objetivo. De reconhecer que nem toda história precisa ser igual para ser válida. 

Mais do que isso: é hora de entender que a força dos GLs está justamente na diversidade. Na possibilidade de existir um Whale Store ao lado de um Harmony Secret, ao lado de um Only You. Cada um falando com públicos diferentes, cada um tocando em pontos distintos do coração. 

Se o amor, tema central de todos esses GLs , é plural, por que nós insistimos em querer reduzi-lo a uma régua única?


Esse texto é uma colaboração especial de uma autora convidada 💖 As opiniões aqui expressas são pessoais e não refletem, necessariamente, a visão do No Mundinho do GL — mas adoramos abrir espaço pra múltiplos opiniões e perspectivas!

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